Viver a vida

Muitas pessoas, depois de um diagnóstico de câncer, chegam a pensar em suicídio. Não é bom, mas dá para entender. Infelizmente, o medo e a solidão quase inevitáveis daquele momento podem provocar ideações suicidas. A quase totalidade dos que passamos por isso sabemos que teria sido um erro grave. A vida, mesmo com câncer, merece e deve ser vivida. E pode ser uma vida feliz. Nesse momento, ter fé ajuda, e muito.

Frank Haden era um dos jornalistas mais conhecidos da Nova Zelândia. Foi o editor do Sunday Times e do Auckland Star, e foi um colunista ativo, participante. Sua coluna provocou mais cartas ao jornal do que qualquer outra na história do país. Haden morreu de câncer de próstata. O país acompanhou sua doença e o desenlace.

Antes de saber que tinha câncer de próstata, Haden dirigiu uma campanha para que o Ministério da Saúde financiasse uma campanha de prevenção, através de exames de detecção (PSA e toque retal) em massa, grátis, exatamente como fazia e faz com o câncer de mama. A campanha de Haden esbarrou em argumentos orçamentários. Haden acusou as autoridades do país de sexismo, por autorizar os exames para o câncer de mama e negá-los para o de próstata que são, respectivamente, os cânceres feminino e masculino mais comuns.

Aliás, esse é o tema de um artigo que escrevi com Marília Coutinho há vários anos: “Homens: A Maioria Desorganizada”, Dados vol.43 n.2 Rio de Janeiro 2000

e que pode ser baixado de

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582000000200004&lng=en&nrm=iso

• O caso de Haden é parecido com o de milhões de brasileiros: nunca pediu um exame e o seu médico nunca o sugeriu. Em amplas áreas do Brasil, onde vivem dezenas de milhões de brasileiros, o câncer de próstata só é detectado quando tem sintomas e está avançado.

Haden acaba de morrer, perto de nove anos após o diagnóstico de 1998. Quando foi diagnosticado, o câncer estava metastizado. Haden trabalhou e fez campanha durante todo esse tempo. No ano passado continuava sua batalha, a despéito de tomar um coquetel de mais de 30 comprimidos diários, inclusive de morfina porque o câncer havia contaminado os ossos.

A morte de Haden nos dá importantes lições:


1. o que importa após um diagnóstico confirmado de câncer não é quanto tempo temos até a morte, não é a morte: é o que vamos fazer com esse tempo, é a vida. Durante mais de oito anos, Haden lutou por uma política pública. Não venceu a batalha política, mas venceu a batalha da morte: não morreu por antecipação. Viveu plenamente os anos que teve. Lutou por suas idéias. Foi produtivo, útil e feliz;
2. Haden viveu mais de oito anos após o diagnóstico de um câncer com metástase;
3. há uma importante política pública em jogo. No Brasil, além da incompetência e burrice das autoridades, temos o machismo. Quando a deputada Telma (PT, Santos) apresentou sua proposta legislativa, os homens começaram a rir e a debochar. Que coletivo mais podre, lamentável.
4. se você lê esse blog, ou tem câncer de próstata, ou se preocupa com quem tem, ou pode ter, não se entregue. Viva a vida e seja um ativista. Estimule homens de cinqüenta e mais anos a um exame anual. Lembre-se de que conhecimento é poder.

Haden é, apenas, mais um exemplo de pessoa com diagnóstico de câncer que viveu a vida até a última gota. Muito do seu justificado prestígio se deve ao que escreveu depois do diagnóstico de câncer. Eu luto contra um há onze anos e garanto que não é fácil, mas o segredo é se concentrar na vida e não na morte.




GLÁUCIO SOARES                       IESP - UERJ

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