Violências na infância marcam a vida adulta

Há algum tempo, foi realizada uma pesquisa sobre o abuso de crianças e as famílias disfuncionais, chamado ACE - The Adverse Childhood Experiences (ACE) Study que fundamentou muitos artigos interessantes. Um deles mostra quão importante é o impacto negativo dessas experiências sobre a qualidade da vida dessas crianças muitos anos mais tarde, quando adolescentes ou adultos. Um questionário com muitas perguntas sobre as experiências durante a infância foi enviado a 13.494 adultos que também tinham sido examinados clinicamente por uma empresa seguradora de saúde. Mais de 9.500 responderam. Os autores criaram sete categorias de eventos e processos negativos: abuso físico, psicológico ou sexual; violência contra a mãe; ou viver numa residência com pessoa com impulsos suicidas, drogados ou doentes mentais, ou que tinham estado na prisão.
Foi, então, construída uma escala simples, com o número dessas sete categorias que se aplicavam a cada pessoa que respondeu o questionário. Assim, se uma pessoa, quando criança, sofreu abuso físico numa família que incluía, também, uma pessoa que havia estado na prisão, o escore seria 2. Esse número foi correlacionado com doenças, comportamentos perigosos (de alto risco) e com indicadores da saúde dessas pessoas já adultas. Como essas variáveis se correlacionam com outras, também relevantes, como renda, gênero e idade, entre outras, os autores usaram uma regressão logística para controlar alguns desses efeitos.
Mais de metade dos que responderam tiveram experiências negativas em, pelo menos, uma dessas categorias e um quarto pelo menos duas. Embora a escala seja algo crua, esse escore se correlacionou com a saúde e o comportamento em relação à saúde dessas pessoas (P < 0,001). Pessoas que tiveram experiências negativas em quatro ou mais categorias tinham um risco de quatro a doze vezes mais alto do que as que não tiveram nenhuma experiência negativa. Esses comportamentos eram alcoolismo, uso de drogas, depressão, tentativa de suicídio - que são os comportamentos que mais responderam às experiências na infância. Outros comportamentos foram afetados, mas menos: fumar, baixa avaliação da própria saúde, ter tido 50 ou mais parceir@s sexuais, ter tido doenças venéreas. O risco de ter esses comportamentos de alto risco era de 2 a 4 vezes mais alto. Houve outros efeitos, comparativamente menores, de 1,4 a 1,6 vezes: falta de atividade física e obesidade. Outro grupo de conseqüências se relacionava com isquemias cardíacas, câncer, doenças pulmonares crônicas, fraturas ósseas e doenças no fígado.
Podemos interpretar esses resultados como os autores fizeram, de maneira individualizada e cumulativa, ou podemos pensá-los de maneira conjunta, subsumindo-os a uma categoria, estilo de vida. Porém, o fato de que as conseqüências aumentem com o número de categorias favorece a interpretação dada pelos autores, de que cada uma dessas experiências adiciona algum risco à soma das outras. Significa, também, que, bem ou mal, o estilo de vida pode ser medido e que essa medida aumenta nosso poder de explicação.

Fonte: "Relationship of childhood abuse and household dysfunction to many of the leading causes of death in adults." de Felitti VJ, Anda RF, Nordenberg D, Williamson DF, Spitz AM, Edwards V, Koss MP, Marks JS.




GLÁUCIO SOARES                       IESP - UERJ

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