Um ciclo vicioso: baixa inteligência e o cheiro de cola e gasolina

Há pouca informação sobre as consequências de cheirar cola, um hábito de muitas crianças, particularmente de "meninos de rua". É um barato fácil, mas que sai caro. Não pesquisamos o tema e, por isso, somos obrigados a usar resultados de pesquisas em outros países, onde cheirar gasolina é mais comum do que cola. Mesmo lá há poucas pesquisas sobre os efeitos a longo prazo. Essas pesquisas, quase obrigatoriamente, são retrospectivas e as experimentais são impensáveis. Teríamos que viciar um grupo de meninos durante muitos anos e manter outro livre de vícios, acompanhando-os por muitos anos, para averiguar os efeitos do hábito de cheirar, seja cola, seja gasolina, seja outras substâncias intoxicantes.
Os estudos feitos mostram que o desempenho escolar dessas crianças é catastrófico, mas não há como saber quais as relações causais. Há estudos de caso, em sua maioria clínicos, que podem ilustrar mas não demonstram causalidade. "Mr. A" é um desses. Com 19 anos é um exemplo de séria incapacitação mental que acompanhou o hábito de cheirar gasolina durante muito tempo. Aos 19, tinha cheirado durante dois anos. Para aumentar os efeitos, esquentava a gasolina e adicionava detergentes e remédios. "Mr. A" era retardado - no sentido exato da palavra - estava atrasado em relação aos demais, particularmente no desenvolvimento motor e no desenvolvimento da fala. Durante a adolescência o uso de muitas drogas ficou registrado nas suas escolas. Testes cognitivos aos 16 anos, antes do hábito específico de cheirar gasolina, já mostravam deficiências e o colocavam na categoria de deficientes mentais "leves", usando um teste de inteligência para crianças muito testado, o Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC-III). Três anos depois foi feito outra avaliação cognitiva, usando um teste equivalente, mas para adultos, o Wechsler Adult Intelligence Scale (WAISIII). Esse teste tem dimensões relacionadas ao desenvolvimento
verbal, ao desempenho e ao QI geral. Houve um deterioro considerável
entre os dois.

Porém, não se localizou um problema estrutural no cérebro com os instrumentos disponíveis, que são reconhecidamente insuficientes. Uma tomografia na base da emissão de um foton (SPECT) mostrou declínio na atividade cerebral, particularmente nos lóbulos frontais. Uma das áreas, chamada de borda anterior, tinha atividade tão reduzida que parecia um queijo suiço, cheia de buracos. Havia, também, atividade reduzida nos lóbulos orbitais inferiores, nos temporais e no cerebellum.
Porém, do ponto de vista puro do desenho de pesquisas não há como saber qual a extensão das anormalidades devidas à infância nem às devidas ao hábito de cheirar gasolina. Não obstante, a situação piorou tanto entre as duas medições que é difícil excluir o abuso da droga do banco dos réus. "Mr. A" não conseguia controlar seus impulsos nem a terminar o uso de drogas, levando a um círculo vicioso de dano cerebral e de aumento no consumo de drogas, que é conhecido de pesquisadores e psiquiatras.
Infelizmente, o consumo de drogas consideradas leves, como maconha, cheirar cola e cheirar gasolina, deixou o campo da ciência para entrar no ideológico. Há "contras" e "a favor". Alguns dos argumentos são inconsistentes e de reduzida capacidade analítica.
A sociedade brasileira tem um alto consumo de drogas associado com a alta criminalidade e uma altíssima taxa de homicídios. Precisamos pesquisar a temática a fundo e perguntar quais os limites do deterioro humano e das conseqüências criminais que queremos ter, se queremos proibir ou não, o que implica em questões políticas e filosóficas muito sérias.

Referências
1. Maruff P, Burns CB, Tyler P, Currie BJ, Currie J: Neurological and cognitive abnormalities associated with chronic petrol sniffing. Brain 1998; 121:1903–1917
2. Wechsler D: Wechsler Adult Intelligence Scale, 3rd ed. San Antonio, Tex, Psychological Corp (Harcourt), 1997
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