CLASSES SOCIAIS, MOBILIDADE E SUICÍDIOS

Há quase meio século, Austin L. Porterfield e Jack P. Gibbs publicaram os resultados de uma pesquisa sobre os suicídios na Nova Zelândia, relacionando-os à classe e à mobilidade social. Foi uma pesquisa simples que, não obstante, ainda não conseguimos replicar no Brasil por falta de dados. Eles estudaram todos os suicídios ocorridos entre 1946 e 1951. Realizaram uma necropsia psicológica parcial, buscando:

  • Toda e qualquer informação relevante no relatório do "Coroner", que inclui parte policial e parte legista;

  • Todas as informações socioeconômicas disponíveis nos atestados de óbito e nas certidões de nascimento.


A necropsia seria mais completa se os pesquisadores buscassem parentes, amigos, médicos etc. das vítimas, um processo custoso que, em alguns lugares, é impossível porque as informações básicas são sigilosas.

As perguntas que desejavam responder não eram diferentes das que fazemos: quem tem risco mais alto de suicídio? Ricos? Médios? Pobres? A mobilidade (subir ou descer na escala social) aumenta, diminui ou não altera o risco de suicídio?

Devido à escassez de informações sobre mulheres suicidas, se concentraram em 689 homens cujas ocupações foram codificadas de maneira a formar uma escala. Com base na distribuição de renda, os mais ricos (com mais de £225 por ano) deveriam ter 132 suicídios na amostra, mas tiveram 200 suicídios; entre os com mais de 35 anos, nessa mesma faixa, eram esperados, estatisticamente, 94 suicídios, mas houve 124. Ou seja, nesse estudo os mais ricos se suicidavam mais. Do outro lado da escala (menos de £100 por ano) eram esperados mais suicídios do que os encontrados. Essa relação positiva entre renda e taxa de suicídios (se a renda sobe, os suicídios também) não é universal.

A mobilidade tinha um efeito interessante: de acordo com a teoria, implicaria na necessidade de fortes adaptações, com os conflitos e desajustes resultantes da mudança de classe social. Os dados de Porterfield e Gibbs mostram que os suicidas tinham elevadas taxas de mobilidade social.

O tipo de crise psicológica que pode (ou não) estar associada com o suicídio variava entre os que subiram socialmente, os que ficaram no lugar, e os que desceram. Entre os que subiram, as crises associadas com o emprego, com o sucesso financeiro e ocupacional eram as mais comuns. As crises nas relações sociais caracterizavam os que baixaram na escala social - crises do tipo divórcios e separações, falecimento de pessoa próxima (essas crises podem ser causas e/ou efeitos do descenso social).

Essa pesquisa, feita há quase meio século, não incorporava os avanços cognitivos sobre o suicídio mais recentes, particularmente a ênfase nas doenças mentais e, dentre elas, a bipolaridade e a depressão. Também não incorporava o conhecimento de que a combinação entre terapias específicas e medicamentos é muito exitosa no tratamento dessas doenças. Não obstante, já entrevia os males do carreirismo e do consumerismo extremos e de seu efeito deletério sobre a qualidade da vida humana.

No Brasil dos últimos anos temos, arredondando, oito mil suicídios por ano, muita mobilidade social e geográfica e muita desigualdade. Em duas décadas, perdemos mais de cem mil brasileiros para os suicídios. Não há "onda" de suicídios mas, certamente, é um nível indesejado. É um mal social que tem que ser enfrentado, mas que os governantes preferem ignorar. Dados de pesquisas sobre tentativas sérias de suicídio mundo afora mostra que, entre os que se recuperam dos traumas físicos e mentais da tentativa, muitos conseguem retomar o controle sobre suas vidas e ter uma existência feliz. Afirmam que, se tivessem morrido, teria sido um grande erro. Não obstante, sabemos muito pouco sobre o suicídio no Brasil, em parte porque é um tema difícil de pesquisar e em parte porque poucos cientistas sociais brasileiros sabem e querem pesquisar.

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