Mulheres violentas: cultura ou doença mental?

Publicado no CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 11 de setembro de 2008 • 29


 

GLAUCIO ARY DILLON SOARES, sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e da Fundação Getúlio Vargas

O estudo de mulheres violentas é mais difícil do que o de homens violentos porque elas cometem menos crimes. Números menores, maiores dificuldades para pesquisar. Nos países com estatísticas adequadas é fácil verificar que as mulheres cometem menos crimes e são presas com menor freqüência do que os homens: nos Estados Unidos, em 2001, o risco de um homem ser preso e condenado era de 11,3% (de cada 100, 11 seriam presos e condenados em suas vidas), ao passo que para mulheres a percentagem era muito mais baixa: 1,8% (menos de duas em 100). As pesquisas que tratam de mulheres violentas e reincidentes são ainda mais difíceis. O tema, porém, é importantíssimo — sobretudo para as vítimas. Ele é importante estatisticamente porque os reincidentes respondem por uma percentagem desproporcional dos crimes violentos. Nos Estados Unidos, quatro de cada 10 presos já tinham servido outra pena por um crime violento; 53% dos que foram presos estavam em liberdade assistida, liberdade condicional e outras situações legais. A pergunta de todas as suas vítimas é: por que essas pessoas estavam fora das prisões?

Tem mais: 39% dos que foram presos em 2002 já tinham cumprido três penas ou mais. A conclusão de suas vítimas é que essas penas foram curtas demais.
Colocar em liberdade alguém que voltará a cometer crimes é condenar suas futuras vítimas. A preocupação com os reincidentes, tanto homens quanto mulheres, é, pois, justificada. São poucas as pesquisas com mulheres violentas — comparativamente aos homens. Uma delas foi feita na Finlândia, com 132 mulheres que cometeram homicídios, ou tentaram cometê-los, de 1982 a 1992. A Finlândia oferece um contraste, sendo um país com baixas taxas de crimes violentos. Houve um acompanhamento psiquiátrico dessas mulheres até 1999. Além de tentar conhecer o porquê da violência feminina, a pesquisa também procurou saber mais a respeito das mulheres que repetiram os crimes violentos, ou que tentaram repeti-los. Uma em quatro voltou a cometer um crime; uma em seis voltou a cometer um crime violento e 3% voltaram a matar. Quem são essas mulheres? O que as diferencia das mulheres comuns, não violentas? O que as diferencia das mulheres que cometeram uma violência e não reincidiram? Uma primeira informação, despretensiosa, sugere linhas de investigação: quase metade dos crimes repetidos foi cometida até dois anos depois do primeiro. Foram soltas cedo demais.

Os exames psiquiátricos mostraram que nada menos do que 81% das reincidentes tinham sido diagnosticadas com uma desordem da personalidade e 10 com psicose. As avaliações foram independentes. Esses dados sugerem que na cultura finlandesa a repetição de crimes violentos indica doença mental. Não é uma ocorrência normalizada pela sua constante repetição: é um fenômeno raro. Não é novidade: em 1998, Eronen, Angermeyer e Schulze demonstraram exatamente isso, como haviam feito também Tiihonen e Hakola, parte da mesma equipe de pesquisadores. Antes disso, Hodgins, em 1992, havia vinculado os crimes violentos à presença de desordens mentais e de deficiências intelectuais. Outros fatores se associavam com reincidência: um histórico criminal, ser jovem, dependência de substâncias como drogas ou álcool, também presentes nas pesquisas sobre a reincidência masculina. O fato de que uma percentagem alta da reincidência fosse cometida durante os dois primeiros anos causou comentários, sugerindo que a política de conceder rapidamente a liberdade, provisória, assistida ou completa, contribui para o risco de novos crimes violentos. E as vítimas? Quem pensa nelas?

A tendência a formar bolsões de mulheres criminosas e violentas não é peculiaridade da Finlândia. Em Winnipeg, no Canadá, nada menos de 73% das criminosas presas eram reincidentes. O risco de cometer um crime é muito maior entre as pessoas, homens e mulheres, que já cometeram um ou mais crimes antes. Ou seja, a reincidência é preocupante, tanto entre homens, quanto entre mulheres. Porém, numa sociedade com baixos níveis de crime e de violência, a Finlândia, a violência feminina viola normas sociais tão fortes e arraigadas que poucas em sã consciência o fazem. Daí o papel mais importante atribuído à psiquiatria forense naquele país do que nos Estados Unidos, onde as teorias baseadas no conceito de (sub)cultura violenta têm mais adeptos do que as que explicam os crimes violentos das mulheres por meio da doença mental.

E aqui? Cultura ou doença mental? Ambas? Outros fatores? Sem pesquisa séria não temos como responder.

Comentários

Anônimo disse…
Sabe a vida é engraçada e injusta, acho que devo pensar como os gregos, somos manipulados por deuses que brincam conosco, entrei no seu blog porque estava pesuisando sobre suicidio, vi seu perfil, fiquei pensando tanta gente lutando para viver e eu desejando o contrario...

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