Pedófilos, estupradores e assassinos de crianças


A notícia de que um pedófilo investigado pela polícia canadense buscava trabalhos e atividades que o colocassem próximo a possíveis vítimas não deve surpreender ninguém. É comportamento habitual entre os criminosos desse tipo. Não foi diferente no caso de Ronald Inghelbrecht. Ele adotou, assediou e abusou sexualmente um menino. A adoção colocou o menino à sua disposição. Ele se apresentou para trabalhar como voluntário da Big Brothers da British Columbia, no Canadá. O trabalho é servir como mentor de crianças e jovens adolescentes. Ele ajudou a construir um orfanato no México e contribuiu para a manutenção de várias crianças por meio da World Vision, organização dedicada a ajudar crianças pobres e crianças problemáticas. Essa mesma pessoa tinha histórico de abuso, assédio e estupro. Agiu durante muito tempo, mas acabou sendo preso e condenado. A polícia de Toronto levou a cabo a operação Project Spade, e o nome do pedófilo apareceu diversas vezes. A British Columbia (B.C.) tem unidade policial especial, dedicada a investigar casos de abuso de crianças. B. C. é província que fica no Pacífico e Toronto fica muito longe, mas as polícias se comunicam. Em tempos de internet, a distância não é problema. A incompetência e a desorganização é que são. A comunicação é fundamental: avisada pela polícia de Toronto, a unidade entrou em ação e vasculhou legalmente a casa do suspeito. Como é praxe, retirou o computador e outros materiais para análise. Encontrou algo muito maior do que esperava e pôde, inicialmente, acusar o réu de pornografia infantil. Analisou os documentos e seguiu diversas dicas, voltando a prender o réu, mas, dessa vez, as acusações eram muito, muito sérias. Em junho, ele aceitou as acusações de abuso sexual contra duas crianças (inclusive a que havia adotado) e de que estava de posse de material de pedofilia. Esses acordos são comuns em países como o Canadá e os Estados Unidos: o acusado aceita a culpa e recebe sentença mais leve. Às vezes, outros crimes não se transformam em processos. É procedimento que barateia o processamento policial e judicial de cada caso e libera recursos financeiros e humanos para outros processos. Não havia provas suficientes para os crimes mais sérios e ele recebeu sentença de 14 meses porque respondeu ao processo na prisão e o tempo foi computado. Outro caso de pedofilia abalou Montreal, outra cidade canadense. David Goldberg era o editor de um jornal e — tomem nota — o instrutor de um time infantil de baseball. Sublinho, mais uma vez, que a presença de pedófilos em atividades infantis não é obra do acaso. Eles buscam as atividades que os colocam em contato frequente e pessoal com as vítimas. Goldberg abriu o jogo: “Nenhum pedófilo quer ser preso, nem ter os horríveis segredos divulgados para o mundo. Durante mais de 20 anos, passei todas as noites [fazendo a mesma coisa]: surfando a internet buscando sites dedicados à pornografia infantil”. Afirmou em alto e bom som que os pedófilos farão tudo para evitar serem descobertos. Aduzo que “tudo” inclui matar a criança, como consta na declaração (que assisti) de outro pedófilo condenado à morte por assassinar a criança que havia sequestrado e mantinha presa. Achava que a pedofilia deveria ser legalizada... Goldberg não confessou nenhum ato contra uma criança, mas a pornografia é ilegal e ele foi preso em junho de 2012, como parte do Project Spade. Ele só pode ser condenado a 90 dias em regime fechado e três anos em prisão domiciliar. Não poderia visitar parques (onde há vitimas em situação vulnerável), nem usar a internet. As contradições de Goldberg eram mais profundas: ele era nada menos do que um assessor de mídia de um grupo dedicado à prevenção do crime. Há debate sobre se o uso e divulgação de material pornográfico infantil deve ser considerado crime. A promotora Andrea Ormiston afirma que sim, porque ter a posse de pornografia aumenta o risco de abuso. Explicitamente afirma que “a posse de pornografia infantil facilita a sedução... e pode facilitar ofensas (e crimes)”. É argumento probabilístico e preventivo incomum no Brasil. Pode ser pior? Pode ficar muito pior. Em 1989, Westley Allan Dodd abusou sexualmente de Cole Neer, de 11 anos, e do irmão, William, de 10, no estado de Washington. Em seguida, esfaqueou os dois. Pouco tempo depois, sequestrou, estuprou e matou Lee Iseli, de quatro anos, num estado vizinho, Oregon. Ele escreveu um livro, Sexual History, no qual informa que começou a carreira aos 13 anos de idade...Dodd abusou e estuprou pelo menos 175 crianças dos dois sexos (predominantemente meninos), em carreira destrutiva que durou 15 anos. A história de Dodd apoia a teoria evolutiva (que deveria se chamar de involutiva) do crime: ele começou mostrando o seu órgão genital, passou a tocar nos genitais dos meninos e meninas, o próximo estágio foi o assédio, seguido pelo assalto, pelo abuso sexual e pelo estupro. Dodd, finalmente, se dedicou ao homicídio sexual e sádico. Vejam quanto tempo levou até que o prendessem. Dodd só foi preso porque ficou cada vez mais confiante, violentamente impulsivo, aumentando o risco de ser identificado. Na quarta “expedição” sexual assassina, agarrou um menino no banheiro de um cinema. O garoto gritou e outras pessoas intervieram e o bandido foi preso. Dodd foi enforcado no estado de Washington em 5 de janeiro de 1993.
Esse é um caso entre muitos, ainda que extremo. Muitos criminosos, inclusive pedófilos, não parecem violentos. São difíceis de detectar. Os psicopatas representam uma percentagem alta dos assassinos em série... e dos pedófilos também. No Brasil, estamos preparados para lidar e, se possível, prevenir casos como esses? Não. Não sabemos sequer quantos Dodds há entre nós.

Artigo original publicado no Correio Braziliense de 21/11/2013.

GLÁUCIO SOARES IESP – UERJ

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