As Mortes no Trânsito e Nós


    As mortes no trânsito são um problema mundial. Cada ano o trânsito mata mais de um milhão de pessoas. Nosso cacoete estatista nos faz pensar que todo programa de saúde pública tem que ser estatal. Não é verdade, sendo muitos os exemplos bem sucedidos de iniciativas pessoais e grupais que conduziram a programas que salvaram muitas vidas.

Uma das maneiras de salvar vidas é treinar os que atendem as vítimas. O Oriente Médio tem a segunda mais alta taxa de mortalidade no trânsito no mundo. No Egito morrem mais de sete mil todos os anos. Um exemplo que mostra como cada um de nós pode fazer muita diferença é o do Dr. Jon Mark Hirshon da Universidade de Maryland. Ele transforma médicos e enfermeiras comuns em especialistas no diagnóstico e no atendimento inicial das vítimas de trauma. Somente no Egito treinou mais de quatrocentos. Atualmente, incluiu o Iraque, o Irã, o Sudão e o Afeganistão no seu programa. O programa de Hirshon não diminui os acidentes, mas reduz as suas vítimas. Como seus projetos deram certo, ele recebeu uma doação da Fundação Fogarty, australiana, criando o International Collaborative Trauma and Injury Research Training. E está salvando mais vidas.

Um dos problemas que encontrou estava enraizado na cultura. Uma pesquisa mostrou que os pedestres são a maioria das vítimas. Aliás, a participação de pedestres no total das vítimas indica o "atraso" na cultura do trânsito. Quanto maior, mais atrasada é a cultura. No Egito, a participação dos pedestres nos mortos no trânsito é de cerca de 75%. Sete a oito de cada dez mortos são pedestres. Os dados mostram que os pedestres também devem ser conscientizados, educados e treinados.

O fatalismo é um inimigo poderoso. Ensina que "acidentes" são aleatórios e inevitáveis. Vão acontecer, mas ninguém pode saber onde, quem, como etc. Fazer com que tanto governantes quanto a população os considerem como previsíveis e evitáveis é um passo necessário. Um survey demonstrou que até os jovens educados compartiam as noções primitivas de fatalismo, de imprevisibilidade e de inevitabilidade, mas havia uma abertura para a mudança: valorizavam a pesquisa empírica e cientifica. Era por aí! Como em outros casos, a mudança começa no alto da pirâmide educacional e vai sendo filtrada (e modificada) no caminho para a base, mas as melhorias são sensíveis, a despeito de filtros e distorções. Os grupos focais revelaram que os jovens egípcios que, inicialmente, aderiam aos mitos "do destino" e da inevitabilidade, se abriram à linguagem da ciência e aceitaram a previsibilidade e a prevenção.

    As ONGs podem e devem participar de campanhas para reduzir a violência no trânsito. A MADD, Mothers Against Drunk Driving, começou com algumas mães que haviam perdido seus filhos e filhas no trânsito, é um exemplo. Dirigir bêbado é crime sério nos Estados Unidos, em parte devido aos esforços dessa organização voluntária. O caso de Eduardo Raul Morales-Soriano, um imigrante ilegal que dirigia com um nível de álcool no sangue que era quatro vezes o permitido é paradigmático. Atingiu um carro parado no sinal e matou os dois ocupantes. Foi condenado a dez anos, mostrando a importância de uma legislação e da sua aplicação efetiva para reduzir a violência através de condenações. Mostra, também, os problemas derivados do contato entre sub-culturas com posturas diferentes em relação ao álcool e ao que significa dirigir um carro bêbado. Podem ser pessoas de diferentes partes do mesmo país ou de diferentes classes sociais ou nacionalidades. No Distrito Federal, constatamos uma taxa de colisões violentas muito maior entre os que portavam carteiras de Goiás do que entre os habilitados no próprio D.F.

Hoje há uma conscientização a respeito dos perigos, para si e para outros, de dirigir bêbado e de que fazê-lo é uma safadeza de irresponsáveis. A ação de MADD não se limitou a campanhas educativas: MADD também é um grupo de pressão - sobre o Legislativo e as Assembléias Estaduais, para que os códigos do trânsito sejam endurecidos e efetivamente aplicados. Em alguns países as leis são duras, mas não são aplicadas e não há efeito dissuasório. E mais pessoas morrem.

Mundo afora, o alcoolismo é a principal causa de mortes no trânsito. Nos Estados Unidos, o país com a mais antiga e, numericamente, maior experiência automobilística, em 2006, as colisões com um componente de alcoolismo ainda representavam 41% do total. Um programa exitoso mostra aos motoristas as suas vítimas e patrocina reuniões obrigatórias com os parentes das vítimas. Em vinte anos, as mortes devidas ao alcoolismo caíram pela metade nos Estados Unidos.

    Há muitas maneiras de reduzir a mortalidade no trânsito. Ralph Nader se notabilizou pelas campanhas em favor de produtos seguros, sobretudo carros. Juntamente com empresas como a Volvo, suas campanhas fizeram os carros muito mais seguros. Reduziram as colisões e, em caso de colisões, o número de mortes e feridos. A Volvo é uma das empresas lideres no mundo na área de segurança dos automóveis que produz.

    Houve, no Brasil, campanhas exitosas. No Distrito Federal, a Paz no Trânsito, que incluiu um Fórum Permanente, reduziu a taxa de mortos por dez mil veículos à metade em quatro anos. Um cálculo estima em mil o número de vidas salvas. O Governador Cristovam Buarque apoiou e, até certo ponto, encampou a campanha. O ponto mais alto foi A Marcha pela Paz no Trânsito, com mais de 25 mil pessoas vestidas de branco protestando silenciosamente pelas principais vias da cidade.   

Qualquer um pode salvar vidas. Tem jeito!



Versão anterior publicada no Correio Braziliense.



Gláucio Soares

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