Caçando doentes mentais

Sabemos que algumas doenças mentais aumentam a agressividade e o risco de cometer atos violentos, inclusive homicídios. Porém, não prestamos a devida atenção ao fato de que várias doenças mentais também aumentam o risco de que o paciente seja vítima de agressões e de homicídio.

 

Muitos olham para os doentes mentais como criminosos em potencial. Eram chamados de “loucos”, um estigma. Loucos causam medo, há pessoas que fogem deles, que evitam contato com eles e há os que os agridem. A associação entre algumas doenças mentais e crimes violentos é conhecida, mas poucos sabem que as doenças mentais também aumentam o risco de que o paciente seja vítima de violência, inclusive de homicídio. Ver doentes mentais como vítimas em potencial da violência é um olhar diferente que é, também, mais próximo da realidade.


Na Inglaterra e no País de Gales:

Na Inglaterra e no País de Gales há poucos homicídios, relativamente ao Brasil e aos Estados Unidos. Em três anos, de 2003 a 2005, foram assassinadas 1.496 pessoas numa população de, aproximadamente, 55 milhões. Esses homicídios confirmados são a base empírica para a pesquisa recém publicada, dirigida por Louis Appleby da Universidade de Manchester. Os autores coletaram dados sobre as vítimas e os agressores, inclusive registros de doenças mentais no ano anterior a cada homicídio. Onde havia registro, se corresponderam com o médico encarregado do caso.

O que descobriram?

                             clip_image002                                                                                                                                                                                                                                A principal descoberta relacionada aos objetivos da pesquisa foi que os doentes mentais têm uma probabilidade 2,6 vezes mais alta de serem assassinados do que a da população. Para evitar essas mortes é preciso dar cuidadosa atenção à interação entre pacientes: das noventa mortes, 29 foram pelas mãos de outros pacientes. Os hospitais mentais maximizam o risco porque os doentes mentais estão em constante contato com outros pacientes - desses 29, 23 se conheciam.

As estatísticas, baseadas na prática clínica vigente no país, incluem na mesma categoria drogados contumazes e alcoólatras. É a categoria mais importante, onde estavam 93% dos doentes mentais homicidas e 66% das vítimas. Em sete casos, tanto o homicida quanto a vítima eram esquizofrênicos. Algumas doenças mentais aumentem o risco de matar alguém (no período considerado, 213 doentes mentais cometeram um homicídio), e as políticas públicas devem levar esse dado em consideração, mas as violências contra doentes mentais também devem ser evitadas.



Na Suécia:

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Outra pesquisa, feita com a população adulta total da Suécia, cobriu o período de 2001 a 2008. A taxa de homicídios na Suécia é invejavelmente baixa, menos de um por cem mil habitantes (no DF é perto de quarenta vezes maior).

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Mais uma vez, a análise começa com bêbados e drogados. Os dependentes químicos também são considerados doentes mentais na Suécia. O seu risco de vitimização é nove vezes mais alto do que o da população.

 

As pessoas com desordens de personalidade tinham um risco 3,2 vezes a da população; a taxa dos diagnosticados com depressão era 2,6 vezes maior; com desordens de ansiedade 2,2 vezes e com esquizofrenia 1,8 vezes.

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Nos Estados Unidos:

 

O fenômeno é geral: nos Estados Unidos, a taxa de vitimização por homicídios de doentes mentais é quatro vezes maior do que a da população.  

Os autores sugerem que, em parte, o risco mais elevado se deve ao efeito-vizinhança, porque uma alta percentagem vive em áreas pobres, desorganizadas e com altas taxas de violência. Eles sugerem que uma ação coordenada dos órgãos de saúde pública, da polícia e da administração de conflitos poderia reduzir a violência.


Na Austrália:


Quando os doentes mentais matam, quem eles matam? Jenny Mouzos, na Austrália, demonstra que os familiares representam a metade das vítimas, em comparação com 14% das pessoas que não são doentes mentais. Os doentes mentais também são mortos desproporcionalmente por seus próprios familiares e estão presentes nos casos de homicídio seguido de suicídio.

A polícia também precisa ser treinada – e muito. Recentemente, em Toronto, no Canadá, Reyal Jardine-Douglas, Sylvia Klibingaitis e Michael Eligon, três doentes mentais, ameaçaram policiais com objetos perfurantes e foram mortos a tiros. Ficou claro que os oficiais responderam exclusivamente em função dos atos das vítimas e não da saúde mental deles. O júri, que isentou os policiais de responsabilidade, fez muitas recomendações, inclusive o treinamento de policiais para lidar com doentes mentais.

As autoridades policiais e da saúde pública também devem alertar – e ser alertadas – que todos, inclusive familiares, são vítimas potenciais e agressores potenciais de doentes mentais.



GLÁUCIO SOARES

IESP-UERJ  




Sabemos que algumas doenças mentais aumentam a agressividade e o risco de cometer atos violentos, inclusive homicídios. Porém, não prestamos a devida atenção ao fato de que várias doenças mentais também aumentam o risco de que o paciente seja vítima de agressões e de homicídio.


Muitos olham para os doentes mentais como criminosos em potencial. Eram chamados de “loucos”, um estigma. Loucos causam medo, há pessoas que fogem deles, que evitam contato com eles e há os que os agridem. A associação entre algumas doenças mentais e crimes violentos é conhecida, mas poucos sabem que as doenças mentais também aumentam o risco de que o paciente seja vítima de violência, inclusive de homicídio. Ver doentes mentais como vítimas em potencial da violência é um olhar diferente que é, também, mais próximo da realidade.

Na Inglaterra e no País de Gales há poucos homicídios, relativamente ao Brasil e aos Estados Unidos. Em três anos, de 2003 a 2005, foram assassinadas 1.496 pessoas numa população de, aproximadamente, 55 milhões. Esses homicídios confirmados são a base empírica para a pesquisa recém publicada, dirigida por Louis Appleby da Universidade de Manchester. Os autores coletaram dados sobre as vítimas e os agressores, inclusive registros de doenças mentais no ano anterior a cada homicídio. Onde havia registro, se corresponderam com o médico encarregado do caso.
O que descobriram?
A principal descoberta relacionada aos objetivos da pesquisa foi que os doentes mentais têm uma probabilidade 2,6 vezes mais alta de serem assassinados do que a da população. Para evitar essas mortes é preciso dar cuidadosa atenção à interação entre pacientes: das noventa mortes, 29 foram pelas mãos de outros pacientes.
Os hospitais mentais maximizam o risco porque os doentes mentais estão em constante contato com outros pacientes - desses 29, 23 se conheciam.

As estatísticas, baseadas na prática clínica vigente no país, incluem na mesma categoria drogados contumazes e alcoólatras. É a categoria mais importante, onde estavam 93% dos doentes mentais homicidas e 66% das vítimas. Em sete casos, tanto o homicida quanto a vítima eram esquizofrênicos. Algumas doenças mentais aumentem o risco de matar alguém (no período considerado, 213 doentes mentais cometeram um homicídio), e as políticas públicas devem levar esse dado em consideração, mas as violências contra doentes mentais também devem ser evitadas.
Outra pesquisa, feita com a população adulta total da Suécia, cobriu o período de 2001 a 2008. A taxa de homicídios na Suécia é invejavelmente baixa, menos de um por cem mil habitantes (no DF é perto de quarenta vezes maior).

Mais uma vez, a análise começa com bêbados e drogados. Os dependentes químicos também são considerados doentes mentais na Suécia. O seu risco de vitimização é nove vezes mais alto do que o da população.
As pessoas com desordens de personalidade tinham um risco 3,2 vezes a da população; a taxa dos diagnosticados com depressão era 2,6 vezes maior; com desordens de ansiedade 2,2 vezes e com esquizofrenia 1,8 vezes.


O fenômeno é geral: nos Estados Unidos, a taxa de vitimização por homicídios de doentes mentais é quatro vezes maior do que a da população.  
Os autores sugerem que, em parte, o risco mais elevado se deve ao efeito-vizinhança, porque uma alta percentagem vive em áreas pobres, desorganizadas e com altas taxas de violência. Eles sugerem que uma ação coordenada dos órgãos de saúde pública, da polícia e da administração de conflitos poderia reduzir a violência.
Quando os doentes mentais matam, quem eles matam? Jenny Mouzos, na Austrália, demonstra que os familiares representam a metade das vítimas, em comparação com 14% das pessoas que não são doentes mentais. Os doentes mentais também são mortos desproporcionalmente por seus próprios familiares e estão presentes nos casos de homicídio seguido de suicídio.
A polícia também precisa ser treinada – e muito. Recentemente, em Toronto, no Canadá, Reyal Jardine-Douglas, Sylvia Klibingaitis e Michael Eligon, três doentes mentais, ameaçaram policiais com objetos perfurantes e foram mortos a tiros. Ficou claro que os oficiais responderam exclusivamente em função dos atos das vítimas e não da saúde mental deles. O júri, que isentou os policiais de responsabilidade, fez muitas recomendações, inclusive o treinamento de policiais para lidar com doentes mentais.
As autoridades policiais e da saúde pública também devem alertar – e ser alertadas – que todos, inclusive familiares, são vítimas potenciais e agressores potenciais de doentes mentais.

GLÁUCIO SOARES


IESP-UERJ  


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