A HISTÓRIA DE UM CANCEROSO

É interessante acompanhar o percurso seguido por pacientes de câncer. Vários são interessantes. Entre eles, o de Jim Kiefert, descrito por Karen Weintraub, e publicado no jornal USA TODAY. Jim foi diagnosticado há 23 anos. O câncer já havia espalhado, metastizado. Fez o caminho parecido com o meu: cirurgia e 35 sessões de radiação. Após esses tratamentos, os médicos o informaram que ele viveria entre um e três anos. Era o que alguns urólogos faziam em 1989.

Kiefert ainda está conosco, e mais otimista do que nunca.

Por quê?   

Nos últimos anos, vários novos tratamentos entraram no mercado. Cada um permite uma extensão da sobrevivência que varia de alguns meses a alguns anos. O último a chegar às farmácias tem o nome de Xtandi, e é baseado na enzalutamida. A enzalutamida aumenta a esperança de vida em quatro a cinco meses. Há vários medicamentos que fazem exatamente isso: aumentam a esperança de vida em 3, 4, 5 meses.

Ele mudou o estilo de vida: não comeu mais carne vermelha, uma excelente medida, e começou a exercitar regularmente três dias por semana, outra excelente medida. Idealmente, faria isso cinco ou seis dias, não três.

Também foi tratado com Lupron, como faço eu nesse momento. É o tratamento padrão de segunda linha, depois da cirurgia, radiação e/ou outros tratamentos dados inicialmente. É usado há décadas. Alguns respondem por algumas semanas apenas, outros respondem durante anos. Não há acordo sobre a mediana: ela tem variado de estudo para estudo, mas o prazo mais comum fica entre 18 e 24 meses.
Depois, químio, com docetaxel. Mais uns poucos meses de vida e uma conversa franca com os médicos que em vários países seguem o protocolo de informar o paciente quanto tempo de vida, aproximadamente, ele tem. Usualmente, entre um e três anos.   

Kiefert foi diagnosticado há 23 anos, alguns antes de mim. Era uma época na qual se investia pouco nas pesquisas sobre o câncer da próstata. Um financista, que havia dado um rombo no mercado e passado uns anos na prisão, fundou a Prostate Cancer Foundation. Acostumado a captar fundos, conseguiu fundos substanciais e passou a financiar pesquisas promissores e estratégicas, e não pesquisas seguras e redundantes. A partir de 2005 até o Department of Defense começou a investir em pesquisa e prevenção. As empresas farmacêuticas logo se deram conta de que o mercado era promissor: muita gente (só nos Estados Unidos mais de 240 mil por ano) e um tratamento caro, que durava muito tempo. Nada de cura. Esse conjunto formado por pesquisadores, ativistas, pacientes, o governo americano e empresas farmacêuticas estimularam novos medicamentos e novos testes clínicos. Mais de cem!

Voltemos a Kiefert. Usou Lupron e foi dos felizardos: o medicamento funcionou bem durante vários anos e controlou o câncer. Há seis anos entrou num teste clinico do Provenge: mais dois anos em que o câncer ficou congelado, sem avançar. O PSA baixou de 30 para 4,5 ng/ml. Aí entrou num teste clínico da enzalutamida.

Scher, pesquisador do MSKCC, diz que os testes são feitos, usualmente, com pacientes que enfrentam canceres muito avançados. Risco menor, pacientes que se oferecem para os testes clínicos porque não têm muito a perder. Scher avisa que talvez os benefícios sejam maiores se os novos medicamentos forem usados mais cedo. Talvez, porque faltam dados.

E Kiefert? A velhice também conta e teve que substituir o joelho. E assim, a nossa vida vai, de tropeço em tropeço, de esperança em esperança.

 

GLÁUCIO SOARES             IESP-UERJ

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