O alcoolismo materno e suas consequências a longo prazo

Quando pensamos em álcool e crime, pensamos numa relação simples e direta, em que tanto o que comete o crime, quanto a vítima, poderiam estar alcoolizados no momento do crime. Porém, o avanço do conhecimento, através de pesquisas empíricas, revela uma realidade mais complexa. Há outras vítimas. Os fetos e bebês de mães alcoólatras são vítimas do alcoolismo. É um processo que, agora, conhecemos, mas essa relação não é considerada criminosa. Irresponsável, sim, mas criminosa, não. Isso pode mudar, como mudou o dirigir alcoolizado que pode resultar num homicídio culposo.

Há uma doença chamada FAS (Fetal Alcohol Syndrome), a Síndrome Alcoólico-Fetal. Essa é uma das causas principais do retardo mental em crianças. Essas crianças são as vítimas de primeiro nível do alcoolismo materno.[1] Mas ficar pior. Anos mais tarde, muitas dessas crianças, como adolescentes e adultos, cometerão crimes. Uma pesquisa mostra que, nos Estados Unidos, uma percentagem alta dos presos sofre de FAS ou de uma forma menos grave dessa doença, chamada de FAE (Fetal Alcoholic Effects).[2] As duas prejudicam seriamente o feto, o bebê, que se torna adolescente e adulto. É para sempre.

Nos crimes cometidos por aqueles que também são vítimas do alcoolismo materno, agregamos mais um nível de danos que tiveram origem nas bebidas alcoólicas.

Estamos começando a conhecer os caminhos através dos quais o dano se instala nos bebês e nas crianças. Chrysanthy Ikonomidou et al. informam que o cérebro de filhotes de camundongos com um só episódio de exposição a uma intoxicação alcoólica durante as primeiras duas semanas de vida (mais ou menos o equivalente do desenvolvimento cerebral de um feto humano durante o estágio final da gravidez) sofrem efeitos permanentes em dois neurotransmissores, chamados glutamata e GABA. Há mortes em massa de células cerebrais. Essa mesma equipe estudou o efeito de drogas (PCP, ketamina e óxido nítrico) sobre as células cerebrais, também causavam mortes em massa de células cerebrais, porém afetando outros receptores, chamados de NMDA.

Foi argumentado pelos defensores das drogas que as células que morrem iriam morrer de qualquer maneira e que as drogas simplesmente anteciparam um pouco a sua morte. Ikonomidou afirma que não morrem apenas células já “condenadas”, mas também células sadias que “se suicidam” aos milhões.[3] Esses resultados confirmam os de outra pesquisa, com Chrysanthy Ikonomidou et al., que fala do bloqueio dos receptores NMDA como um indutor da apoptose massiva de células cerebrais.[4]

GLÁUCIO SOARES                   IESP/UERJ



[1] Ver, também, Crime Times, Vol. 6, No. 2, 2000, pág. 7

[3] “Ethanol-induced apoptotic neuro­degeneration and fetal alcohol syndrome,” Chrysanthy Ikonomidou, Petra Bittigau, Masahiko J. Ishimaru, David F. Wozniak, Christian Koch, Kerstin Genz, Madelon T. Price, Vanya Stefovska, Friederike Hörster, Tanya Tenkova, K Krikor Dikranian, e John W. Olney, “Ethanol-induced apoptotic neuro­degeneration and fetal alcohol syndrome,”em Science, Vol. 287, February 11, 2000, págs. 1056-1060.

[4] Ver “Blockage of NMDA receptors and apoptotic neurodegeneration in the developing brain,” Chrysanthy Ikonomidou et al., Science, Vol. 283,No. 53 398, January 1, 1999, pp. 70-74.

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