Uma corrida silenciosa entre a vida e a morte



Há uma corrida silenciosa entre a vida e a morte e nossas vidas podem depender dessa corrida. Harris, Thomas, Fisher e Hirsch publicaram, há poucos anos, um artigo chamado Murder and Medicine - The Lethality of Criminal Assault 1960-1999, sobre a letalidade das armas.
De que trata? Trata da letalidade das armas mais mortais, as chamadas assault weapons. A letalidade delas aumentou muito; afinal, são feitas para matar e a tecnologia da morte “progrediu”. Progrediu no projétil, no combustível, na arma. Mata mais. Essa é a letalidade abstrata, técnica. Porém, a letalidade estatística caminhou no sentido oposto – diminuiu. Estatisticamente, mais pessoas atingidas por projeteis de assault weapons sobreviveram nos últimos anos do que há muitos anos. Por que?
É um paradoxo. Como explicá-lo?
A resposta reside na evolução paralela da tecnologia da vida. Em primeiro lugar, o atendimento imediato, no local, por pessoal chamado de para-médico, evoluiu, salvando vidas. As ambulâncias, que antes só serviam para transportar feridos, também evoluíram, são mais equipadas, permitindo cuidados aos feridos que, antes, só estavam disponíveis nos hospitais. A rapidez do atendimento é fundamental e se correlaciona negativamente com a letalidade. Quanto mais rápido for o atendimento, menor a percentagem dos pacientes que morrem.
A rapidez do atendimento não depende, apenas, de ambulâncias mais equipadas e de pessoal mais treinado: depende, também, de fatores culturais, políticos e cívicos. Melhorias no trânsito permitem maior rapidez no atendimento. Depois de algumas administrações mais competentes, o trânsito flui melhor. O civismo também contribui, por exemplo, com os motoristas abrindo espaços para as ambulâncias. Em culturas com baixo nível de civismo, isso não se dá e alguns tentam, inclusive, se aproveitar da rota rápida aberta pela ambulância ou pelo carro de bombeiros. São ações características de sociedades com um nível de cultura cívica muito baixo.
Alguns leitores devem estar se perguntando se esse nível mais elevado e funcional de cultura cívica existe de verdade. Existe, mas não é igual em todos os lugares: é mais desenvolvido e funcional em alguns países do que em outros e, dentro do mesmo país, em umas regiões do que em outras. Juntas, essas variáveis formam estruturas de risco que se repetem ano trás ano. Devido a essa estabilidade estrutural, nos permitimos afirmar, por exemplo, que, com os dados disponíveis até poucos anos atrás, a taxa de mortes violentas de homens jovens e maduros (menos de 65 anos) na Rússia era nove vezes a de Israel e doze vezes a da Grã-Bretanha. Essa estabilidade afeta todas as mortes violentas. Por exemplo: as taxas de mortalidade por dez mil veículos. Ano trás ano, os estados com taxas mais altas estão no Nordeste, no Norte e no Centro-Oeste.
Após a chegada ao hospital, há melhorias que ajudaram a elevar a percentagem dos que sobreviveram sobre o total dos atingidos. A criação de centros especializados de trauma, a disponibilidade de equipamento muito mais sofisticado e o atendimento por pessoal mais competente, contribuem para reduzir a taxa de mortalidade.
Esses processos interceptam nossa existência. Somos afetados pelas velocidades com que chegam a nós. Infelizmente, a transferência da tecnologia da morte talvez seja mais rápida do que a da vida. Leva menos tempo comprar uma arma mais letal do que equipar hospitais e ambulâncias e treinar melhor o pessoal do atendimento e da emergência.

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