Lições a partir de carta com ideações suicidas

  • A análise de cartas de suicidas revela, com freqüência, parte da trama que levaram à tentativa ou ao suicídio.


Não sou a mãe dos filhos dele


"Eu sei que muitas pessoas provavelmente vão pensar que minha razão para contemplar o suicídio é estúpida, mas não dá para agüentar essa dor. Acabo de descobrir que meu companheiro de sete anos vai ter uma segunda criança com outra pessoa. Ele já teve um filho com outra mulher há menos de três meses.


Eu sei que eu poderia sair dessa mudando ou fugindo, mas não consigo fazer isso. Eu acho que a única maneira de sair dessa é morrendo. Quem sabe se, então, ele sentiria a dor que eu sinto? Talvez hoje eu tome muitos comprimidos de dormir e não acorde mais. Então minha mente ficará em paz e meu coração não doerá mais. Espero que DEUS me perdoe."


Ressalto, nessa carta, alguns pontos que se encontraram para produzir esse resultado:


A irresponsabilidade do parceiro que tem dois filhos fora dessa relação. Supondo que a relação com a mulher que escreveu a carta seja, por acordo, única ou primária (que aceita outras, secundárias), o comportamento irresponsável do parceiro em transar sem cuidado e contribuir para duas gravidezes é uma variável importante em muitas tentativas e em muitos suicídios. Um comportamento sexualmente responsável do parceiro eliminaria o problema.


A incapacidade, infelizmente muito freqüente, de aceitar a maternidade (ou paternidade) psicológica dos filhos do parceiro (a). Os adeptos da biologia social consideram esse comportamento funcional para a preservação de linhagens, chegando a falar de genes "egoístas". Meu olhar é diferente e se concentra na rejeição dos filhos do outro e da maternidade não biológica, que é muito forte e deu lugar ao título que a missivista deu à própria carta. A aceitação psicológica real dos filhos do parceiro eliminaria o problema.


Por razões desconhecidas, a autora rejeita a possibilidade de, simplesmente, mudar de casa, de deixá-lo ou, vendo de outra maneira, de fugir da situação. O porquê não fica claro.


A expressão "Quem sabe se, então, ele sentiria a dor que eu sinto?" mostra que há um componente agressivo nessa carta, o que foi identificado e desenvolvido por Karl Menninger. A multiplicidade de outras justificativas de tipo diferente classificaria esse suicídio, tentativa ou ideação como "misto".


Finalmente, a expressão "Espero que DEUS me perdoe." revela como a adaptação da religião para atender a justificativas pessoais também foi essencial para facilitar essa ideação suicida. Escrita num país de cristãos (com grande maioria de católicos e protestantes), presumo que o Deus a que a autora se refere seja o da Bíblia. Tanto na vertente protestante quanto na católica, sobretudo na última, o suicídio não é aceitável. As modificações introduzidas pela autora no que essas religiões prescrevem reduzem o poder inibidor da religião em relação ao suicídio.


Não sabemos o que aconteceu com essa pessoa. Se, simplesmente, parou de escrever, se terminaram as ideações suicidas, se tentou, não conseguiu, ou se efetivamente se suicidou. Não obstante, a carta, traduzida e com a gramática editada, ilustra como mudança em qualquer uma de várias das circunstâncias alteraria o resultado.


Além disso, vemos como políticas públicas poderiam reduzir ocorrências semelhantes:


Através de campanha de sexo protegido e de paternidade responsável;


Através de instituições que facilitem a saída de mulheres de relações que elas consideram opressoras;


Através de campanhas que facilitem a maternidade e a paternidade psicológica, mas não biológica;


Através de instituições que facilitem o atendimento, aconselhamento e terapia de pessoas em situações difíceis, inclusive em relações difíceis;


Através de campanhas das igrejas para que seus fiéis não recriem Deus de forma personalizada, de maneira a atender aos impulsos de cada um.



GLÁUCIO SOARES                       IESP - UERJ

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