Solidão e Morte

Para o leigo, associar a solidão e a redução da vida pode parecer um exagero. Não obstante, estatisticamente, a solidão reduz a vida e há muitas pesquisas que o comprovam, mas também há várias que não confirmam esse resultado. Uma série de contribuições vieram de Cingapura, onde Ng e sua equipe usaram os dados da Singapore Longitudinal Ageing Studies para avaliar qual o impacto da forma e da intensidade da solidão “objetiva” sobre a mortalidade. Como há muitas variáveis associadas tanto com a solidão quanto com a mortalidade, como idade, saúde etc., os autores controlaram vários fatores. Acompanharam 2.553 participantes durante pouco mais de oito anos (1/9/2003 a 31/12/2011). Usaram, apenas, os dados da população residente, de etnia chinesa, com 55 anos ou mais. Usaram hazard ratios (HR - não confundir com risco relativo) da mortalidade associada com viver só. Dos 2.553 participantes, 189 (7,4%) viviam sós quando a pesquisa foi iniciada; desse mesmo total de participantes, 227, ou perto de 9%, morreram no decorrer da pesquisa. Viver só aumentava significativamente o risco de morrer (1,66 - 95 % CI, 1,05-2,63), controlando muitas variáveis associadas com a saúde - hipertensão, diabetes, doenças pulmonares crônicas, derrames e AVC’s, doenças cardíacas, funcionamento dos rins, deficiências IADL-ADL, sintomas de depressão, estado civil e outras variáveis como idade, sexo, qualidade da habitação. Além do impacto através de algumas dessas variáveis, viver só aumentava significativamente a probabilidade de morrer. Como havia evidência de interações, as razões foram recalculadas por sexo - maiores entre os homens (HR = 2,36, 95 % CI, 1,24-4,49) do que entre as mulheres (HR = 1,14, 95 % CI, 0,58-2,22) - e por estado civil. Viver só tem um impacto negativo maior entre pessoas solteiras, divorciadas e viúvas do que entre as pessoas casadas.

Quais são as condições habitacionais, relacionais e familiares dos idosos e idosas? As famílias extensas, por definição, os incluem; embora ainda haja famílias patriarcais, seu número diminuiu rapidamente. Transição dolorosa: os que antes ocupavam a posição mais importante na família, merecendo a expressão Bonus pater familiae, hoje enfrentam sérias dificuldades de inserção na sociedade e na própria família. Um arranjo comum é a ocupação de um cômodo secundário na casa de um filho ou filha. Outra é a manutenção de alguma forma de assistência econômica e pessoal, sobretudo emergencial, mas em residências diferentes, um arranjo com um quantitativo de solidão maior, que é capturado pela pergunta sobre se vive só. Muitos idosos e idosas externalizam uma preferência por viver sós, seja por orgulho, fuga de possíveis humilhações, por não querer ser “um estorvo”, ou por outras motivações, verdadeiras ou fabricadas. Nesse contexto, cresce a importância da qualidade das relações com noras e genros. Em famílias com capacidade aquisitiva média ou alta, a internação, aberta ou fechada, em residenciais confortáveis é uma opção frequente nos países industriais. Noto que há uma proporção maior de mulheres idosas que vivem juntas do que de homens idosos que fazem o mesmo. Entre pobres, particularmente em países em que o estado “esquece” essa população, o resultado pode ser um depósito de velhos e velhas ou, pior, a rua. Um país como o Brasil de hoje, de renda média-baixa, que enfrenta sérios problemas econômicos e políticos, e descalabros administrativos, cuja proporção de idosos aumenta significativamente, o resultado, com triste frequência, é o abandono.

E seus corolários: solidão, tristeza, doença e morte.

Gláucio Soares

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