Sobre neuras e neurotransmissores: tentei o suicídio duas vezes e hoje sou muito feliz


Terça-feira, 11 de Agosto de 2009

Hoje colaboro com esse blog com uma história que o Gláucio Soares me pediu para contar. Gláucio foi meu orientador de PIBIC em 1996 na UnB: ele coordenava uma pesquisa integrada sobre violência no DF e eu fui selelcionada para trabalhar com o módulo sobre suicídio.

Lembro-me que tivemos uma conversa séria sobre essa decisão, porque eu havia começado um tratamento para depressão severa. Na época, eu pouco sabia sobre o assunto. A depressão começou - ou as consequências dela foram perceptíveis para mim e para os que me rodeavam - em 1994, quando em fazia Ciências Sociais na UNICAMP. Não sei se eu li os clássicos russos muito cedo, não sei se tinha uma visão romântica da dor e da tristeza, como se elas me auxiliassem numa viagem de auto-conhecimento. O fato é que os primeiros indícios de depressão que eu senti foram ora ignorados, ora utilizados para escrever e estudar solitariamente.

Percebi que algo não ia bem comigo quando esses devaneios solitários passaram a durar algumas horas, depois alguns dias e afetaram minha alimentação - não comer nada ou comer em excesso, meu sono - dormir muito ou ter insônia, minha vida. Em poucos meses, eu não conseguia raciocinar claramente, tinha medo de sair sozinha e de ficar em casa sozinha também. O que agravou a situação foi que minha família morava em Brasília, e eu não dizia jamais o que eu passava. Sentia uma mistura de vergonha, fraqueza, medo de não ser compreendida. De fato, eu mesma não me perdoava por me sentir mal: eu tinha tudo, casa, comida, inteligência, amigos, namorado, então por que sofria tanto?

O sofrimento da depressão aguda nos leva a sentir dores físicas: como se fosse uma bacteremia, dói tudo. Além disso, às vezes vc não consegue nem se movimentar.

Porém, pior do que tudo isso, é vc repetir na sua cabeça milhões de vezes que está tudo bem, que vc vai melhorar, mas, na verdade, vc se SENTE MUITO MAL. Chega um ponto em que não existe alívio em pensar positivamente e vc questiona: o que posso fazer para esse sofrimento mental e corporal ACABAR?

Quando a depressão alcançou este estágio, a morte passa a ser uma possibilidade, completamente amoral e egoísta. Explico: amoral porque vc não quer saber se é certo ou errado, vc só quer se livrar da dor; egoísta porque vc pensa em morrer e se aliviar, mas não pensa na dor que vai causar a todos os outros que vc ama e conhece.

Bem, mesmo assim, no auge dessa doença, que hoje sabemos ser bastante comum, eu busquei meu alívio de algumas formas (além de ir a mil festas, fumar e beber): a primeira foi ligando o gás da cozinha e fechando todas as janelas do pequeno apartamento alugado de um quarto onde eu morava. Só não deu certo porque, felizmente, eu fiz cópia da chave da minha casa para uma amiga, muito querida, a L., que chegou lá à tarde e me encontrou desmaiada. Fomos para o hospital da UNICAMP. Não funcionou.

A segunda vez foi na janela da casa do meu namorado na época que, felizmente, era estreita e deu tempo dele me segurar. Depois de chorar muito comigo, ele disse que não podia se responsabilizar por mim e tinha razão. Então, fui obrigada a ligar para meus pais em Brasília e sair de Campinas.

Em Brasília (1995), procurei tratamento com alguns psiquiátras e terapia com alguns psicólogos. Sempre é preciso procurar um profissional competente com quem vc consiga dizer a verdade sobre o que vc faz, pensa e sente. Existem pessoas que vão ao médico e tomam remédios apenas para manter a neurose viva e chamar a atenção para si.

Eu realmente quis resolver minha depressão. Na época, era assim que eu pensava. Resolver, curar, dar um fim na depressão e não mais em mim mesma. Estudar sobre suicídio me ajudou muitíssimo: compreender o problema, a dimensão dele nos diferentes países, a questão da violência secundária - gerada naqueles ligados às vítimas de homicídios, suicídios, acidentes. Então, aprendi a encarar com mais 'objetividade' um problema social - que não era só meu, a identificar os sinais que o próprio corpo nos dá nas diferentes fases da depressão. E, certamente, o mais importante, eu aprendi a compreender minha condição humana: eu tenho uma disfunção química, meus neurotransmissores falham e não sei explicar o porquê. Muitos médicos também não sabem identificar qual é o fato gerador disso. Mas eu aprendi a conviver com essa característica.

Depois de 1998, consegui ficar vários anos sem medicação, terminei minha graduação e fui fazer mestrado. Casei com meu namorado da faculdade, terminei meu mestrado e trabalhei em vários lugares. 

Em 2005, eu me separei e decidi fazer doutorado. Foi um ano muito difícil, muito pesado. Eu não queria procurar ninguém, eu só queria parar de chorar e de me sentir sozinha todos os dias, embora estivesse casada. Eu trabalhava desde 2004 no Ministério da Ciência e Tecnologia e meu contrato iria até 2008, então me senti segura para tomar essa decisão e aluguei um apartamento pequeno, sem elevador, super diferente da minha casa linda, na beira do lago. Mas eu fui decidida e fiquei aliviada, porque depois que consegui me separar, eu soube que sou capaz de fazer qualquer coisa. No meio desse ano, conheci uma pessoa maravilhosa, o Marcello. Começamos nossa relação de um jeito muito honesto, falei que eu estava muito cansada de farra, de instabilidade. 

Ele veio morar comigo e meus dias passaram a ser mais felizes, até que, em meados de outubro, eu tive minha primeira crise de pânico. Eu conhecia depressão, e suas piores facetas. Mas eu nunca havia sentido pânico: uma certeza de morte imediata, sem respirar, dor no peito, no meio do trânsito. Achei muito estranho, não entendi nada, mas eu tinha uma viagem a trabalho no dia seguinte e fui mesmo assim.

Foi terrível. A reunião ocorreu normalmente, estava tudo bem. Porém, quando entrei no quarto do hotel, a janela dava para uma parede interna, como um pátio e tive a mesma sensação do dia anterior: eu não conseguia respirar e tinha certeza que iria morrer naquela hora, como se fosse a pior pressão baixa ou desmaio da sua vida. Liguei para a gerência do hotel, mas não havia nenhum médico ou referência. Teria de pegar um táxi para algum hospital. Corri para o banheiro, liguei a água fria, chorei e gritei com toda força para ver se o mal estar saía de dentro de mim.

Meu chefe escutou um choro e telefonou para o meu quarto, perguntando se era eu, se eu precisava de algo. E eu, morta de vergonha, só conseguia dizer: "eu sinto que estou morrendo. Vou morrer agora". Devido ao meu passado de depressão e ao fato de que minha mãe já havia tido crise de pânico, eu trazia na minha carteira um calmante forte (Lorax) que ela havia me dado, "por precaução", quando comentei meu mal estar do dia anterior e que iria viajar. Meu chefe sentou numa cadeira, eu tomei o calmante, e ele esperou que eu parasse de chorar durante uma hora, até que eu dormisse. Ele é um grande amigo até hoje.

Desde o referido episódio, recomecei um tratamento com outros psiquiatra e psicólogo, novamente com fluoxetina, numa dosagem razoavelmente alta. Mesmo assim, e diferentemente do que eu pensava quando era jovem, eu consegui trabalhar normalmente, eu entrei no Doutorado, fiz todas as disciplinas em um ano e meio, qualifiquei meu projeto de tese grávida de seis meses. Em 2007, tive minha primeira filha, perfeitamente saudável e normal, e a amamentei até os nove meses de idade. Eu e Marcello resolvemos nos casar, compramos um apartamento juntos. Deixei de tomar medicação - progressivamente e de acordo com o acompanhamento médico - no início de 2009. 

Vivo minha vida feliz, com problemas normais, como todas as pessoas têm. Faço várias coisas diferentes, termino minha tese, presto consultoria, cuido da minha filha, amo meu marido, meus pais, minha irmã. Brigo com todos eles de vez em quando também. Mas eu decidi aprender com as minhas experiências e a ter humildade de me aceitar como eu sou: eu sou ÓTIMA! Só que às vezes os neurotransmissores falham e eu preciso de algumas substâncias que meu corpo não produz direito. Não sei se isso é para sempre; sei que não é constante. Não acho que há CURA; mas SEI QUE É CONTROLÁVEL. 

Uma dica: quem nunca teve depressão ou pânico, ótimo. Porém, dificilmente compreenderá a gravidade e o sofrimento de quem tem. E, para quem tem, ESQUEÇA O PRECONCEITO SOBRE DOENÇAS MENTAIS: procure um bom profissional, leve seu tratamento à sério e viva a sua vida feliz, porque esses problemas podem ser controlados, mesmo que você precise fazer isso por muito tempo.




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