Conceber ou não: eis a questão


 

GLAUCIO ARY DILLON SOARES

Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)

Os abortos são, no mínimo, um tema conflitivo. Entre adolescentes, são muito mais comuns do que forças organizadas da sociedade desejam, inclusive os movimentos feministas, que defendem o direito da mulher de abortar, mas não preconizam o aborto.

Abortos, além de matar o feto, trazem riscos para a mãe. Como reduzi-los? Como impedir as gravidezes não desejadas?

Surgiu uma proposta na Inglaterra de que as classes de educação e conscientização sexual dadas por outras adolescentes, em vez de professores e professoras, poderiam ser mais eficientes. Um dos argumentos era que adolescentes falariam melhor e mais livremente desses assuntos entre si do que com pessoas mais velhas e psicologicamente mais distantes.

Como deve acontecer, programas educacionais e sociais são testados e avaliados primeiro e somente implementados em larga escala depois. Porém, a revista de livre acesso PLoS Medicine acaba de publicar relatório segundo o qual um programa experimental baseado em aulas e conversas dirigidas por adolescentes mais experientes não reduziu a taxa de abortos entre adolescentes inglesas. Não obstante, as (os) adolescentes o preferem, o que levou as autoridades sanitárias a repensar o programa e não a excluí-lo.

O aborto por adolescentes é um problema de saúde pública no mundo, inclusive na Europa Ocidental, e é particularmente sério no Reino Unido. O mencionado estudo, conhecido como Ripple, foi levado a cabo por pesquisadores do University College London e dirigido por Judith Stephenson. Participaram 27 escolas e 9 mil alunas de 13 a 14 anos, que foram aleatoriamente distribuídas em dois grupos, o que recebeu educação sexual e informação tradicional, por meio dos professores, e o que recebeu a mesma informação por intermédio de outras adolescentes. O programa foi avaliado de duas maneiras: informações prestadas pelas próprias adolescentes, o que é menos confiável, e informações retiradas dos registros médicos e hospitalares. A primeira avaliação, feita quando as adolescentes tinham 16 anos, indicou um pequeno benefício do sistema baseado em colegas e a segunda não revelou qualquer benefício. Uma segunda avaliação, feita quando elas tinham 20 anos, não revelou qualquer benefício, inclusive quanto a doenças sexualmente transmissíveis. A ausência de benefícios foi notada no caso de alunos e de alunas.

Estudos realizados em diversas partes do mundo mostram que os problemas relacionados com a gravidez não desejada não terminam com o aborto; muitos começam com ele. Na Nova Zelândia, Fergusson, Horwood e Ridder estudaram a conexão entre ter feito um aborto e distúrbios mentais. Os resultados mostram que 41% das mulheres engravidaram pelo menos uma vez antes dos 25 e que 15% abortaram. As que abortaram desenvolveram altas taxas de depressão, ansiedade, ideações e tentativas de suicídio, assim como uso de drogas, mesmo depois de controladas outras variáveis relevantes.

Uma das pesquisas mais completas foi feita na Finlândia, por Gissler, Hemminki e Lönnqvist. A taxa média anual de suicídios na população feminina era de 11,3 por 100 mil habitantes. A taxa associada com o nascimento das crianças era mais baixa do que a média nacional, 5,9; a perda não desejada da criança durante a gravidez gerava uma taxa de suicídios muito mais alta, 18,1; e a taxa associada com o aborto induzido era muitíssimo mais alta, de 34,7 por 100 mil. As mulheres que, intencionalmente ou não, perdem filho antes do nascimento necessitam atenção especial.


Como esperado a partir da sociologia da família, os suicídios relacionados com os nascimentos eram mais altos entre adolescentes, mas o aborto provocado aumentava o risco de suicídio em todos os grupos de idade. As classes sociais também influenciavam, pois as mulheres mais pobres tinham maior probabilidade de suicídio e de serem solteiras. A ênfase nos abortos provocados talvez tenha concorrido para subestimar a significação do término não intencional da gravidez. Brier fez uma extensa revisão da literatura, que acaba de ser publicada, em que sublinha a depressão e a violência psicológica sentida por mulheres grávidas que perderam — não intencionalmente — seus bebês. Os sintomas são semelhantes aos provocados por outras grandes perdas, como o falecimento de um familiar, marcando a mulher, particularmente durante seis meses após a perda.

As violências associadas com a gravidez são um problema complexo e penoso que multiplicam os danos provocados pelo achismo. Não podemos formular políticas públicas na base de opiniões ou de ideologia. Os custos são muito altos. Interagem fatores tradicionalmente pesquisados pela saúde pública com outros também estudados pelos pesquisadores da violência e defensores da segurança cidadã. Políticas públicas orientadas para evitar gravidezes não desejadas são muito mais inteligentes do que as orientadas para terminá-las.


 

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