Os efeitos invisíveis da violência

 

Num país com muita violência, intencional ou não, uma das consequências é um número alto de pessoas com trauma cerebral. O trauma cerebral (traumatic brain injuries) tem muitas causas, sendo algumas das mais comuns as originadas em colisões e atropelamentos (de/entre carros, caminhões, motocicletas, bicicletas – e pedestres). A colisão não é obrigatória: as quedas de bicicleta ou de motocicleta podem provocar trauma cerebral. Neste quesito, o uso de bons capacetes (que não são necessariamente os mais caros) evita muitos traumas e salva muitas vidas.

As mortes de motociclistas crescem assustadoramente no Brasil. A maioria morre devido a traumatismo craniano. O uso de capacete reduz o risco de morte em um terço.[1] As capotagens, com pessoas cuspidas do veículo, são frequentes causas de morte e de traumatismo craniano.[2]

As quedas são outra causa frequente de traumatismo craniano: cair da cama, escorregar no banheiro, cair da escada, escorregar e/ou tropeçar no tapete ou em fios são causas comuns que afetam, principalmente, crianças e idosos.[3]

Nos Estados Unidos, cerca de vinte por cento dos traumatismos cranianos são causados pela violência.[4] Tiros, a violência doméstica, violência contra crianças por surras, sacudidas, arremesso contra as paredes são algumas das formas de vitimização de menores. Murros e pontapés são, também, causas comuns de traumatismo.

Os esportes também podem provocar traumatismos cranianos, sendo os mais frequentes o box, o futebol americano e esportes extremos. A Clínica Mayo publicou um resumo das causas dos traumatismos cranianos que pode ser útil.[5] É importante lembrar que em países com altos níveis de violência a incidência é mais alta e as causas diferem das dos países menos violentos. A guerra, claro, é uma das maiores causas de violência.

Traumatismo craniano nos pais: efeitos sobre os filhos

Temos, no Brasil, um elevado número de pessoas que sofreram traumatismo craniano. Umas apresentam sequelas; outras não. Umas retornaram à normalidade, total ou incompleta, outras não. Qual o efeito desse traumatismo sobre os filhos?

Uysal e equipe publicaram um texto em 1998 que pode orientar nossas buscas.[6] Tinham três objetivos: examinar as habilidades dos pais vítimas de traumatismo – e de suas esposas – ao tratar com os filhos; quais os efeitos do traumatismo sobre os filhos e quais os efeitos do traumatismo no nível de depressão de todos os membros da família. Uma proposta ambiciosa.

O desenho da pesquisa seguiu o modelo “clássico”: pais com e pais sem traumatismo. Esses dois grupos de origem compararam, além dos pais, seus parceiros e parceiras, e os filhos. Portanto, três comparações entre os grupos. A estatística usada era esperada: testes t e o x2 de Pearson. A pesquisa foi feita no Estado de Nova Iorque.

A pesquisa, estilo piloto, foi pequena: 16 famílias em cada grupo, incluindo 18 no “grupo trauma” e 26 no “grupo sem trauma”. Na média, as entrevistas foram feitas nove anos depois da ocorrência.

Dr. Suzan Uysal é uma neuropsicóloga clínica e a pesquisa reflete essa orientacao, usando muitas escalas verbais. MAIN OUTCOME

Os pais, nos dois grupos, tinham semelhanças e diferenças: entre as diferenças estavam uma ênfase menor na ordem, nas regras, valorização menor de valores relacionados ao trabalho, foco menor, menos carinho e afeto, e um maior distanciamento do dia-a-dia dos filhos. Talvez surpreenda que o traumatismo do pai também afetou os padrões maternos, particularmente uma redução do carinho, do afeto e na aceitação dos filhos.

Os filhos e filhas, por sua vez, do “grupo trauma” percebiam os pais e as mães como sendo menos disciplinares, ao passo que os do grupo controle percebiam seus pais como menos envolvidos na vida dos filhos e filhas. Como esperado (e temido) pais, mães, filhos e filhas no “grupo trauma” tinham mais sintomas de depressão.

Essa foi uma pesquisa piloto que produziu sugestões e não conclusões. Algumas são preocupantes, gerando uma estimativa provisória de que há um grande número de vítimas secundarias de pais que tiveram traumatismo craniano. Talvez tenhamos vítimas similares provocadas por outras consequências físicas e psicológicas da violência no país.

GLÁUCIO SOARES             IESP-UERJ

[1] Evans L, Frick MC. Helmet effectiveness in preventing motorcycle driver and passenger fatalities. Accid Anal Prev 1988; 20(6): 447-58.
[2] McCoy GF, Johnstone RA, Nelson IW, Kenwright J, Duthie RB. Incidence and consequences of ejection in motor vehicle accidents. BMJ 1988; 297(6658): 1244-5.
[3] Um estudo brasileiro pode ser baixado de https://www.academia.edu/6984511/A_queda_e_outros_tombos
[4] http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/traumatic-brain-injury/basics/causes/con-20029302
[5] http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/traumatic-brain-injury/basics/causes/con-20029302
[6] Uysal S, Hibbard MR, Robillard D, Pappadopulos E, Jaffe M., The effect of parental traumatic brain injury on parenting and child behavior em J Head Trauma Rehabil. 1998 Dec;13(6):57-71.





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